sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Encontro de Natal



Era dia de Natal, tinha o olhar pousado na página virtual e, no mesmo gesto (imaginava) do músico que se senta a dedilhar ao piano, que abraça o violão ou que aflora trinados na flauta, repousado na música, deixava os dedos deslizar no teclado, num toque que lhe oferecia uma sensação de confortável identidade («escrevo», sentia, «e enquanto o faço estou mais atentamente comigo»).

«É surpreendente», continuava a linha do pensamento, «este exercício de escrita que vai revelando quem escreve a si próprio», dizia-se, num murmúrio por dentro de si, como se do acto de escrever se desdobrasse um mapa de orientação, para lhe tornar o presente mais real e o futuro mais azul…

Descobria, surpresa, que a experiência da escrita nascera da expectativa de que também seria para ser lida, e ganhar por isso uma existência exterior... Para alcançar algo mais que lhe desse colorido aos dias, que ajudasse a dar consistência ao seu viver, que a fizesse plantar-se de pleno nas coisas, tangível, autêntica...

A sua escrita ganhara vida. Por entre os tempos, os espaços, os acontecimentos da sua vida, era um estranho ser vivo que naturalmente resguardava, queria-o “não público” porque desde o início dera-lhe uma direcção precisa: «é para ti».

«Ficas, por isso, na fronteira entre o secreto e o íntimo», indicava à sua escrita. «Vives aí, apenas a uma vírgula de distância do “diário”. És teia de palavras, manta de sentidos, estendida na imensidão do traço ou do espaço». E quedava-se em silêncio, à procura de se ouvir e de aprender como era tudo (o mundo?) para além de si.

Relia o que escrevera e continuava: «Estás quase a tocar a fórmula da (antiga?) “carta de amor” – contudo és tão longínqua da paixão, configurada numa outra moldura. Permites que me revele. Permites que me dê. Acima de tudo deixas que ofereça o que me faz ser quem sou e fazes com que essa oferta seja despojada. Abres o meu olhar.»

Fechava os olhos e sabia que aquela escrita valia por ser acontecimento de comunicação, urgência de romper a solidão para alcançar a proximidade com alguém que fizesse sentido. Apenas isso.

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