sexta-feira, 23 de julho de 2010

Ah! A Música!

FORMA DE OLHAR



Navego no teu olhar.
Abrigo antigo, amigo.
Faço-me novelo.

Enrosco-me na frescura verde de prados…
Encanta-me o brilho.
Embala-me a expressão.

Envolvem-me matizes de cor,
verdes, castanhos, dourados...

Dissolvo-me, encontro-me.
São cheiros de terra lavrada,
os teus olhos, são!

Terra em torrão
acolhedora,
geradora: onde pode nascer grão.
No teu olhar passeio-me, amparada,
pressinto-lhe o ondular de campos de trigo...

Olho e vejo: lonjuras, imensidão sem par…
Navego no teu olhar…

Foto: Henrique Santos

PAPOILA




















Se uma papoila dançasse para mim,
seria tango.
Movimento para além dos nomes,
passos
com o poder de quedas de água,
abraço
mais envolvente que pele,
pés
em desenho quente pelo chão fora.

E o corpo dança,
leve e sedutor,
como o ar e o fogo
rodando e atravessando a música,
papoilas vermelhas de emoção
e o tango,
e os passos,
o abraço
em dança leve de chama…

A labareda de dançar
porque não de pode parar.

Como papoilas
no campo
a voltear.

Foto: Henrique Santos

quarta-feira, 21 de julho de 2010

ENTARDECER


Tecer o fim da tarde.
Entontecer de luz.
Beber a dissolução do sol
pelo olhar…
Afagar cabelos de erva.
Sentir marulhar a tarde
na liquidez em brasa...
Mansamente mar.

Foto: Henrique Santos

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Solidão














       






Está em mim
um tempo de silêncio
em peso de montanha.
Solidão instalada.

Paira esta atmosfera pesada,
tórrida de opressão
como a cor crua do sol
na planura, à hora do calor.
Invade tudo,
toda a altura,
a largura
e a espessura dos dias.
Tudo o que na paisagem se alcança.

E eu também
ferozmente tisnada,
crestada,
em completa secura.
Experiência dura.

A solidão agarra-me,
carraça sugadora da cor dos dias.
Vivo um tempo
em que as palavras
não se abrem,
condensadas,
cada uma feita espessa bola de dor,
e espanto,
e interrogação sem par.
Foto: Henrique Santos

sexta-feira, 9 de julho de 2010

ASAS...

foto: http://escreveduras-da-raquel.blogspot.com/2010/01/amor-combate.html

"Não se esqueçam de escrever por dentro do peito: nós nascemos para ter asas."


E mesmo quando parece que não as sabemos abrir
que não descolamos do chão
que até sentimos os pés a afundar
num lodo nauseabundo
opressor
que nos engole para dentro da sua monstruosa papa amorfa...
As asas estão lá
fechemos os olhos
(mesmo que estejam enterrados no lodo fedorento)
e pelo lado de dentro do olhar
pela força do querer
pela capacidade de resistir
façamos abrir
façamos acontecer o ver-nos a abrir as asas
e, de repente,
ah! de repente estaremos a olhar o lodo de cima!
Em pleno voo!

sábado, 1 de maio de 2010

Shantala

Que bom que é emocionarmo-nos!
Que bem que sabe recordar percursos, experiências, encontros...

Shantala... Shantala...
É uma palavra mágica para mim.

É encontro com um livro... diferente.
Que em mim está ligado a outros livros marcantes. Outros encontros...

É massagem... a um bebé que hoje tem quase 20 anos: a minha filha.
Massagem que foi ligação, que foi segredos, que foi luz, que foi encantamento, que foi salvação, que foi luta para encontrar paz, que foi esperança traduzida em gestos no quotidiano.
Ficou gravado em mim.
Acho que também ficou gravado nela...
Encontrámo-nos a cada massagem.

E hoje encontrei (tropecei! n') este vídeo (uma ternura!), que puxou todas estas recordações.

E pode ser que haja por aí muita "mãe de primeira viagem" que queira experimentar...
Eu aconselho vivamente! :)

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Texturas... ou ternuras?




















Se um dia eu
precisasse de dizer
que o encantamento se personifica,
se um dia eu
precisasse de sussurrar
que a ternura se enche de infinitudes de emoção,
se um dia eu
precisasse de explicar a amizade,
se um dia eu
precisasse de dizer que o afecto
é um ser com vida própria,
se um dia eu
precisasse de lapidar as faces infinitas do amor,
se um dia eu
precisasse de rasgar o tecido
de que sou feita
(sentir-lhe o toque num afago de mão
e levá-lo até à porta da retrosaria)
só para ver bem as cores que tem à luz do sol,
pedia-te:
- Vem hoje às compras comigo, por favor!
Foto: Henrique Santos

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Colibri














Há um passarinho
chamado colibri.
Minúsculo, o colibri
abre o seu voo
por aqui e por ali.

As flores mais doces,
mais perfumadas,
são as que escolhe
sempre a voar
sem se cansar.

Bebe-lhes o néctar
por uma palhinha
que é o bico, fininho,
da avezinha.

Chamam-no as flores
com voz de segredo:
- Colibri, vem aqui…
- Colibri, vai ali…
E lá vai pelo ar o colibri!

Campos em flor




















Amigo de campos em flor
que rima com cor e dor e amor.
Amigo de verdes sem fim
de campos floridos de sol
salpicados de sonho
por dentro de mim.
És vento a tocar cada flor
em jeito de aragem,
em pleno calor,
que rima com cor e dor e amor.

Inundados de luz
embalados de sombra
conversamos, mudos
e dizemos tudo
sem abrir a boca.
O amigo e eu.
Um passeio.
Um sorriso.
Um voo de ave
que riscou o céu.
Repouso, tranquila penumbra.
Foto Henrique Santos

terça-feira, 20 de abril de 2010

A preguiça

















Há dias assim,
em que a preguiça toma conta de mim!
Começa logo de manhãzinha,
(ai que bem se está
no quente da caminha!)
Ando pela casa
tropeçando em sonhos…
Tenho a arte certa
de beber o leite ainda a dormir,
e abro um sorriso
de orelha a orelha
(meio estremunhado)
a quem mo pedir!

E digam lá: não é bem bom
um dia assim?
A gente fica
feliz da vida
a balançar, bem devagar
(como a tal preguiça)
para acordar...
E só mesmo nós
num dia assim, ao levantar
olhamos tudo
de pernas ao ar!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Presenças




















Sempre gostei de árvores, de as olhar.

De longe, na paisagem, de perto, a cada uma a minha atenção.
São mágicas, são rochas vivas de uma energia permanente, que se manifesta num tempo para além do tempo: num tempo mais longo que o meu.

Árvores.
Gosto de ficar por perto.
Cheirar o ar que as circunda.
Ouvir mil rumorejos, ver o sol bailar em cada folha uma dança única de luz. Tantos verdes, tantos tons, planos e planos de ramadas que quase tocam o céu.

Ficar cá em baixo, encostar ao tronco.
Ficar.
Permanecer.
Olhar para cima, as mãos percorrendo rugosidades e texturas, os olhos perscrutando a copa, mergulhando em verdes, voando cada vez mais para cima, lá onde as ramadas voam no céu azul.

Plátanos. Carvalhas. Pinheiros mansos.
Frescuras.
Proximidades.
Terra.

Gosto das árvores.
Foto: Henrique Santos

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Às vezes...















Às vezes somos (como) deuses.

Porque o sol brilha. E é para nós. Especialmente.

Porque a rocha está
e nos ampara as costas. Divinamente.

Porque a areia aconchega o nosso sentar
e cada grão tem a cor que deve ter,
e cada um diz o que quer mesmo dizer.

E a praia dá-nos licença, infinita licença de olhar.

Imensidão.

Mar.

Luz.

Vento.

Silêncio.

Palavra.

Solidão.

Companhia.

Porque vim hoje à praia contigo.
Por isso estive mais comigo.

Ah! E elas, as cadelas,
preencheram os interstícios do indizível.

Foto: Henrique Santos

domingo, 14 de março de 2010

A árvore da POESIA

Árvore da Poesia
JI/EB1 S. Miguel, Enxara do Bispo
Agrupamento de Escolas Armando Lucena, Malveira, Mafra


Gosto de saber que ainda há escolas em que se SONHA...

Gosto de saber que ainda há escolas onde, mais importante que - e para lá de - fazer reuniões intermináveis (em que se sai cansado, exausto e sem nada que nos acrescente, quer como pessoas quer como profissionais...), elaborar relatórios infindáveis (e muitas vezes inúteis porque, 15 dias depois, estão novamente a solicitar-nos os mesmíssimos dados que neles disponibilizámos...), preencher grelhas-padrão, para "uniformizar procedimentos" (parece que nos tempos que correm nos tranquiliza imenso que sejamos alegremente uniformes...) a PRIORIDADE é de facto "gastar as energias" para imaginar projectos com sentido, que envolvam alunos, docentes e auxiliares em tarefas educativas, formativas, em que a aprendizagem resulta de vivências, de percursos, de opções conscientes e devidamente concebidas...

Quero deixar aqui esta bela imagem-síntese de um percurso de sonho, de cooperação, de aprendizagem e de reunião de esforços à volta do Dia da Árvore e do Dia da Poesia.

Porque ainda há escolas onde se sonha! Ainda bem!

Eis o texto poético colectivo, que brota no tronco e se espalha no chão:

A Árvore Amiga

Era uma vez uma companheira
que tinha muito para dar:
frutos, flores e madeira
para a todos agradar.

Vivia na Enxara,
no recinto escolar.
Feliz é a sua cara
todos os dias, ao chegar

Os alunos, seus amigos
com ela queriam brincar
mas de todos, os preferidos
eram os que a sabiam respeitar!

Brincar, subir e usar
sem partir nem estragar,
ela ensina a partilhar
e a saber amar!

Sala Amarela do Jardim de Infância e sala do 4.º Ano, 1º CEB

Há dias assim...

Realmente, realmente, vivemos num tempo em que de súbito, ao virar de um gesto, nos damos conta de como nos deixámos afastar, no nosso quotidiano, de uma postura de reverência, de espanto, de gratidão para com o simples facto de estarmos vivos - mesmo se doentes, mesmo se infelizes, mesmo se fustigados por catástrofes...

De repente damo-nos conta de que existe algures em nós uma força viva, se calhar a mesma que faz cantar os regatos, lançar revoadas de passarada nos ares, que nos "tira do sério" e nos faz ESTAR, simplesmente estar, e esse momento, a consciência desse momento é uma vivência de plenitude.

Por agora é só, fiquem bem!

quarta-feira, 3 de março de 2010

Um pai em nascimento, José Eduardo Agualusa

Ao passar ontem os olhos pela montra de uma livraria, aquele livro chamou-me. Entrei e procurei-o, ansiosa de o ter na mão.

Agora, já de volta a casa e com a primeira leitura integral quase concluída, aconselho a que, sendo ou não sendo pais, o leiam.

Para muitos não será certamente uma primeira leitura, pois o livro é uma compilação revista e actualizada das crónicas que Agualusa escreveu, na sua maior parte, na Revista Pais e Filhos, há uns anos atrás, mas, quer seja uma re-leitura quer seja uma viagem inicial, será certamente um percurso enternecedor, que nos faz soltar umas boas gargalhadas, daquelas que nos saem quando aprendemos a rir de nós mesmos... Uma escrita que nos envolve em afectos, perguntas, perplexidades, deslumbramentos e oportunidades de ler sobre aquele "essencial que é invisível para os olhos"...

Comenta Laurinda Alves, que prefacia o livro: Agualusa escreve cartas aos filhos por nascer como quem inaugura um mundo novinho em folha (...); (...) sei que continua igualzinho ao que sempre foi. A única coisa que mudou (...) é que já não escreve crónicas sobre os primeiros tempos de vida dos seus filhos, mas continua a viver através deles, com a certeza de que "a infância é o que conhecemos mais próximo da eternidade".

Deixo-vos alguns dos excertos que me encantaram:

(...) não consigo compreender o que o meu filho diz, embora, pela convicção com que tagarela, seja possível supor que utiliza efectivamente uma qualquer linguagem primordial, aparentada com o idioma das aves, dos regatos e dos anjos.

O meu calendário está a chegar ao fim. Quando me sentar outra vez para escrever esta crónica, já serei pai.
Não tarda muito e acontece-me um neto.

Um filho leva-nos pela mão, como um pequeno cicerone, e dá-nos a ver o futuro: ali as maravilhas, acolá os monstros, e tanto os monstros quanto as maravilhas fazem parte do mesmo jogo - desafios a vencer com alegria.

Outra questão importante prende-se com a insistência da generalidade das mulheres nos excelentes benefícios de envolver os homens nas tarefas (...): dar o biberão, mudar as fraldas (...) porém insistem em controlar tudo. O jogo é delas e deixam-nos brincar um pouco, mas estão sempre de olho em nós. Deus, sugerem, explicou-lhes qual a temperatura correcta da hora do banho, a posição ideal para o bebé mamar (...). Assim sendo, podemos e devemos tratar dos bebés, mas cumprindo rigorosamente as instruções (...). Se nos atrevemos a protestar reduzem-nos a nada, invocando precisamente o mesmo argumento com que, durante séculos, as escravizámos: as mulheres é que dão à luz, produzem leite, foram preparadas pela natureza para cuidar dos filhos. Nós, os pais, somos, seremos sempre, mães amadoras.

Ver-te dormir - e como tu dormes, minha filha, com que talento! - repousa-me e regenera-me mais do que o meu próprio sono. Anseio por ouvir a tua primeira gargalhada. Sei que isso me fará ainda melhor. Não conheço som mais iluminado do que a gargalhada de um bebé.
Bem-vinda, pois, minha filha. Choveu há pouco. O céu está limpo.
O mundo pode agora começar.

Boa leitura!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Da paixão...

Desde que me conheço como adulta que uma das minhas paixões é a grande temática EDUCAÇÃO.

Aliás nem consigo conceber que alguém faça de educar uma profissão para a vida sem se sentir mágica e irremediavelmente envolvido...

Passeando, como habitualmente faço, pelos blogues que vou seleccionando como "favoritos", pasmei com este post de José Fanha.

Vale a pena ler!

Excesso de paixão

Deixo a pergunta que a mim me incomoda, nos tempos que vão correndo:

Porque será que a escola se está, dia-a-dia, a esvaziar de paixão?
O que acontece de facto a gerações e gerações de crianças e jovens que são educados, instruídos, ensinados - usem, por favor, a terminologia que vos parecer mais adequada - por executantes de programas, preenchedores de fichas, participantes passivos em infindáveis reuniões?

Ou estarei a ler mal a "actual conjuntura" do que acontece , não direi na totalidade, mas com grande incidência, nas nossas escolas?

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Resposta de amizade...


Wordle: sempre... insistir!

Fiz a pensar em ti, mas, como tudo o que fazemos, pensamos, dizemos e não dizemos... é sempre, e também, e necessariamente, mensagem, recado, nota para nós mesmos...

E assim tecemos (e refazemos) quem somos...

Insistir
SEMPRE!
Desistir, nunca.
Insistir... e que seja como colorir.
Com as cores todas da insistência!
Com as cores únicas da urgência.
E sorrir, sorrir sempre,
sorrir um sorriso
que logo ao surgir
nos ilumine por dentro.
A tal ponto, com tal força,
como uma corrente de riso
que lava, ao passar,
todo o desalento.
É um rir,
renovar,
insistir
em dizer, mais e mais,
que estamos
e continuaremos
a estar.

E, para além de tudo, és tu que "me ensinas" esta postura!

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ah! A Música!

Hoje conheci Rob Ryan

Autor: Rob Ryan
E quero partilhar com quem passa por aqui a surpresa que senti ao olhar as filigranas, autênticas e delicadas filigranas que lhe saem das mãos!

Fiquei fã!

Sigam-no por aqui!

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A cidade, a rua, as pessoas, o "por dentro de mim", e o que me rodeia, e o que me transcende, e...

Enfim, que cada um de nós, neste 2010, se sinta efectivamente e cada vez mais "cidadão do mundo", viajando/integando este conceito desde o "micro" (eu e a minha circunstância) até ao "macro" (o "tudo" e o "nada" que cada um de nós é neste universo sem fim...) e implicando-se - com esta consciência, a expandir e a enraizar nos nossos quotidianos - em todas (bom! pelo menos em algumas...) as acções/posturas/colaborações que possam resultar em fazer os dias melhores...

Deixo-vos com Ary...


Mais por aqui...

A cidade é um chão de palavras pisadas

A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.

A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.

A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.

A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.

José Carlos Ary dos Santos


Epígrafe

De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pre-feitos blocos de cimento.

De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso a consistência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.

De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro quando as digo.

Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
expressão da multidão que está comigo.

José Carlos Ary dos Santos